sexta-feira, 8 de julho de 2011

NO AVESSO DA LUZ

O pão e a açorda; os ovos e as lampreias; o café e o ice-tea; os molhos e o pão, a manteiga e o pão, as compotas e o pão; a avó, a mãe, todas as tias e os respectivos genes; a cadeira, o sommier, o sofá e a chaise long. Factores que têm o mesmo denominador comum: provocam ou podem provocar, directa ou indirectamente, a celulite.
Mas cá para mim é tudo mentira. Tenho como certo que a verdadeira causa deste mal, que afecta uma vasta percentagem de mulheres, é a luz. E ninguém me tira esta ideia.
Odeio a claridade. Os malditos feixes de luz que insistem em desvendar o que tanto trabalho me dá a esconder. A celulite. Três ou quatro inconvenientes "piquinhos" que maculam a auto-estima e me impedem de me despir segura. Três ou quatro furinhos que por mais que esfregue ou massaje continuam teimosamente visíveis. E juro que são só três ou quatro.
Para elevar o ego, penso nas centenas de milhar de mulheres que convivem com o problema em proporções muito mais catastróficas. Nem assim me animo. Com o mal dos outros... Não que seja gorda — três ou quatro "piquinhos" — mas explicaram-me as pilhas de artigos que li que o problema também afecta as magras e que a obesidade é outra história. Que existem certos alimentos responsáveis pelo agravamento da situação. Que os homens não têm pesadelos destes. Que não há creme, mezinha ou panaceia que resolvam a questão de vez. Por mais volumosos que sejam os tratados sobre o assunto — enumerando causas e respectivos tratamentos, com provas publicadas ao jeito do "antes e depois" — há que desconfiar de tudo e de todos. Sempre me assumi céptica em relação aos ecos do optimismo, mas mesmo assim resolvi arregaçar mangas e procurar varinhas de condão, daquelas que fazem desaparecer tudo num piscar de olhos.
E foram pomadas — comprei tudo que aflorasse a temática —, jactos de água fria — montei uma panóplia de utensílios para duche e morri de frio —, comprimidos milagrosos do tamanho de feijões que nunca passaram do esófago e tantas, tantas outras receitas que, no final, tiveram o mesmo resultado: zero. Zerinho.
Tenho receio de olhar ao espelho. Espreito insegura por detrás do ombro e o reflexo devolve-me sempre a mesma imagem: três ou quatro "piquinhos" inconvenientes. Por vezes retomo a promessa de mirar-me só de frente. A barriga continua firme, os braços permanecem torneados e o peito ainda resiste ao peso da gravidade. Mas de costas... É por trás que o monstro ataca. E não me venham com conversas: a culpa é da luz. É na claridade indiscreta que tudo se revela. É debaixo da luz que me detesto. É ao sol que a celulite é rainha. Ninguém me contou, mas acredito cegamente que se a penumbra fosse perpétua a celulite sucumbiria. Os que os olhos não vêem...
Às vezes lembro-me do Rui Reinhinho. Como o compreendo quando declarou "morte ao sol e a quem o apoiar". Subscrevo e exijo mais: apaguem-se as luzes! Já e de vez.
É que na escuridão sou perfeita.