quinta-feira, 16 de julho de 2009

ESSE GRANDE SENHOR DA COMÉDIA!

Alexandrino Firme e Hirto
A entrevista possível a esse grande senhor da comédia!


Data da entrevista: 2000
Quem: Alexandrino
Idade: 56 anos (na altura da entrevista)
Pretexto: Descobrir de que planeta é oriundo
Actividade Desenvolvida: Bruxo, participação em feiras do oculto, três livros não publicados por falta de quem nele acredite
Imagem: estrela pontual no programa Herman Sic
Característica durante a entrevista: tentativa falhada de me hipnotizar

- Apareceu nos ecrãs de televisão como hipnotizador. Acabou por gorar expectativas nessa área mas revelou-se um animador de plateias. Afinal, quem é Alexandrino?
- Sou um artista plástico que descende da família de uns Faria de Castro que foram vice-reis da Índia. Tenho uma formação cultural muito rica porque meu pai - que era o Joaquim da Autopasse, especialista em Cadilacs - gostava de me levar a ver os museus. Veja lá a minha estaleca.
- Afirma-se também como escritor, embora sem obra publicada...
- Já escrevi três livros. Estão à espera. Um deles chama-se “Acreditar Não é Saber” e tem a ver com o fundamento de como se chega ao domínio da mente objectiva sobre a mente subjectiva. Tenho um outro que conta histórias das minhas intimidades e fugas das prisões.
- Esteve preso?
- Estive oito dias preso, juntamente com o Duque de Palmela.
- De facto, em Setembro de 95 o jornal “A Capital” deu conta da greve de fome que levou a cabo em frente ao edifício da RTP. Qual era a sua causa?
- Protestava e ainda protesto contra o estímulo ao comportamento acreditar. Defendo que não devemos acreditar em ninguém. E sabe porquê? Por causa de um desgosto. Vivi com uma fulana que me deixou num fim-de-semana. Desiludido, bebi umas garrafas de vinho para pôr termo à vida... E essa não seria a primeira vez que estive disposto a matar-me. Pensei nisso quando me chamaram para a tropa. Avisei os tipos que jamais pegaria numa arma mas eles tentaram endrominar-me e não havia meio de me mandarem embora. Então resolvi suicidar-me com uma tuberculose. Ia às putas todos os dias a ver se pegava a doença.
- Como e quando começou a dedicar-se à hipnose?
- Não fui eu que descobri o meu dom. Tenho uma loja de loiças e vidros na Pixeleira, num sítio que faz cantinho. Os prédios vão assim ao longo da rua e depois faz uma esquina. Está a ver? É aí mesmo. Um dia estava à porta da loja entretido a esgalhar a pintura de uma peça e eis que alguém me chamou a atenção para o facto de estar uma menina estática, há horas, à minha frente. Tinha-a hipnotizado e não sabia. Quem me esclareceu foi um engenheiro, que mora dois prédios abaixo e que se dedica ao ocultismo, para além de dar explicações de matemática e arranjar televisões. Foi ele que me deu um livro sobre o assunto. Consigo hipnotizar até de costas. Envolvo as pessoas até dois metros de distância.
- No entanto, nas suas aparições em televisão nunca conseguiu hipnotizar ninguém...
- Quando as câmaras não estavam a filmar consegui hipnotizar dois tipos que levei comigo para o programa do Herman.
- Mas se já os conhecia, poder-se-á dizer que estava tudo combinado...
- Nada disso. Na véspera do programa fui ali ao café de cima e perguntei quem queria ir ao programa do Herman. Houve logo voluntários e tentei hipnotizá-los ali mesmo para ver como a coisa corria. Consegui hipnotizar quatro ou cinco mas, mesmo em cima da hora, dois deles desistiram. Os três que restaram, a troco de cinco contos, lá cederam. Mas não combinamos nada.
- Para todos os efeitos o que se passou na televisão foi um retumbante falhanço que levou muita gente a vaia-lo. Sentiu-se ridicularizado?
- Olhe, quando vou a um programa estou-me perfeitamente nas tintas se corre bem ou mal. Já nasci rico, os meus filhos são ricos por isso não preciso de ninguém para lhes assegurar o futuro. Estou-me cagando se a coisa funciona ou não, se os meus doentes acreditam em mim ou não...
- Costuma ir às feiras do oculto?
- Vou todos os anos a Vilar de Perdizes e dou um espectáculo de curas do caraças, logo a seguir ao Homem do Lacrau que também diz que cura. Bom, estou uma hora a pregar àquela malta que não podemos acreditar em ninguém, em nada, que acreditar não é saber. Depois digo-lhes: “Se querem que vos cure, venham aqui ao palco e eu trato os vossos problemas. E não é que mesmo depois de eu ter gasto o meu latim a dizer-lhes para não acreditarem em nada, mesmo assim ainda se ajoelham à espera que os trate? É preciso ser-se muito burro para cair na minha latosa...
- Quer dizer que goza com as pessoas?
- Eu estou a dar tanga às pessoas mas não gozo com elas... Tento é ir ao encontro do que elas querem ouvir. E acontecem coisas maravilhosas que no dia seguinte aparecem em tudo o que é jornal, tudo o que é revista...
- É então um oportunista que chega até às pessoas à conta de encenações hilariantes?
- Não sou nenhum oportunista nem passo atestados de palhaço a ninguém. Estou é habituado a viver a vida com um certo gozo. Gosto de rir. Os meus espectáculos são horas a rir. E eu curto isso. No fim de contas, as pessoas alguma coisa aprendem e eu também. Mas não estou nada preocupado com a imagem que traçam de mim. Eu quero é curtir.
- Então para si enganar pessoas é divertido?
- Não engano ninguém. Sou claro quanto a isso. Mas nada me impede de tirar algum gozo das coisas que faço. Por exemplo, chego a uma feira e monto uma mesinha cheia de tralha com um cartaz pendurado a dizer: “Acreditar não é saber”, seguido da tabela de preços dos meus variados produtos e serviços: cinco minutos de tarot, mil paus. Os mesmos mil por cada frasquinho de água santa vinda directamente da torneira e que cura todos os males, especialmente os que afectam o meu bolso. Anjinhos em segunda mão por dez tostões o quilo. E além da tabela, penduro avisos do tipo: “cuidado com o Espírito Santo que pode violar a tua mulher” ou “Cristo foi o resultado de uma violação”. Faço muitas coisas destas nas feiras...
- E nunca teve problemas?
- Uma vez incendiaram-me a barraca. Mas foi porque montei o estaminé mesmo ao lado de uns devotos de Nossa Senhora e tive a ideia de “descascar” a imagem da virgem, ou seja, esculpi-a toda nua. Foi uma cegada. Agora estou proibido de entrar nessas feiras.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

QUE RAIO TÊM ELAS DE ESPECIAL?

Por mais que neguemos evidências, a verdade é que as espanholas sempre ensombraram, ofuscaram e enfureceram as mulheres portuguesas. Talvez graças à sua exuberante elegância em contraste com a forma mais tristonha de ser da mulher lusa; à alegria dos gestos e colorido das vestes, em oposição a uma certa viuvez de alma, a uma postura fadista, fatalista, de lenço preto na cabeça. Mas talvez tudo não passe de preconceitos sem sentido ou sustentação.
Uma mulher é uma mulher. Aqui ou na China as características que lhe dão género são comuns e inconfundíveis. Para lá de heranças genéticas, dos hábitos culturais, as mulheres, sejam de que zona do globo forem, são feitas da mesma massa, descendem da mesma costela.
Porém, há mulheres cujas características impressionam mais o sexo oposto e as espanholas podem bem ser exemplo disso. Mas afinal, o que é que elas têm que falta às portuguesas? De onde raio lhes vem aquele salero que, pelos vistos, faz as delícias de qualquer homem? Pode parecer exagero, quiçá por dor de cotovelo, mas até a nossa literatura lhes prestou honra.
Recuemos aos clássicos e vejamos como, por exemplo, Eça de Queiroz pincelou os seus romances com uma ou outra Mercedes, todas de encher o olho aos mais distintos cavalheiros da sociedade portuguesa do século XIX. Já para não falar nas muitas "casas de passe", autorizadas e inspeccionadas, que pululavam pelo país e onde as grandes "atracções" vinham directamente de Badajoz. E foi exactamente por isso que os rótulos surgiram. Para conforto da nossa feminilidade passámos a considerá-las rivais na disputa da preferência do sexo oposto ou à falta de mais argumentos reduzimo-las a todas à condição de "pêgas".
Pura inveja, admito. Mas baseada na evidência, admitam! Qual de vós, homens, resiste ao charme colorido de uma lola jeitosa? Muitos responderão que, no limite, não se resiste a uma jeitosa. Ponto. Sem olhar a nacionalidades. Boa resposta. De esperar, aliás. A propósito, vem-me à cabeça a célebre frase de Jayne Mansfield "Os homens são seres humanos com duas pernas e oito mãos”. Assino por baixo e acrescento: "que agarram qualquer uma, por todos os lados, independentemente do lado de onde vem”.

VALE A PENA ESPREITAR. PARA CHORAR E SORRIR!

Vale a pela ver. Para chorar e sorrir!

O QUE OS MORCEGOS TEMEM

KEANU REEVES? NÃO! AFINAL O ALIEN ERA UMA GALINHA

Keanu Reeves? Não! Afinal o alien era uma galinha

sexta-feira, 10 de julho de 2009

VOA! VOA!

Tenho um amigo doente. Cancro.
Logo ele, tão exemplar no estilo de vida, nos cuidados com o corpo e a mente. Mas consta que a doença não escolhe hospedeiro e ataca às cegas.
Tenho para mim que, neste caso, o cancro é tudo menos cego e escolheu a vítima com as melhores referências. Optimista e de espírito audaz, este meu amigo transpira da pela uma alegria de viver contagiante.
Magnífico contador de histórias, pelava-me pelas conversas que, quase sempre, encetávamos sem nexo mas que acabavam sempre em profundas reflexões filosóficas.
Foi com ele que aprendi a brincar com as palavras. Foi com ele que aprendi a confiar mais nas minhas certezas. Um dia disse-me que eu era um pássaro que ainda não arriscara voar por falta de confiança e medo da queda: “VOA! VOA! Não vês que tens asas? E das grandes.”
Obrigada pelo empurrão quando me sentia à beira de um abismo, estática pelo medo de arriscar. Obrigada pelas corridas de cadeiras que fazíamos em que eu, invariavelmente, te ganhava. Apenas porque era mais leve. Porque o espírito ganhador sempre foi mais teu que meu.
Hoje sou eu quem te diz: “Não vês que tens asas? Voa! Voa! Com a convicção que vais vencer.”
Eu cá te espero, para mais uma corrida, sendo que agora, por seres mais leve, terás mais hipóteses de me ganhar.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A PROPÓSITO DA GRIPE A, EX SUÍNA

A PROPÓSITO DA GRIPE A, EX SUÍNA

पोर्कुए nãओ तेंहो cães

Cruzei-me com Nuno Paixão há mais de 10 anos.
Na altura, ambos imberbes. Eu a desbravar terreno no campo das palavras. Ele, seguramente, à caça de um lugar ao sol no mundo animal.
Cheguei até ele porque me indicaram ser psicólogo de bichos. E dos encartados, leia-se veterinário formado. Achei que valeria a pena ouvi-lo. E perceber como se faz psicanálise a um cão. Que aconselhamentos? E a quem? Ao canídeo ou ao respectivo dono? Sendo que me cheirou que a psicose tinha mais a ver com o animal de duas pernas, com reflexos inevitáveis no fiel amigo.
Eis que volvidos estes anos todos, me cruzo constantemente na televisão com o já nada imberbe veterinário. Com propriedade, o Dr. Nuno Paixão, lá vai dando dicas em tudo o que é programa sobre os chamados irracionais.
Em jeito de “conta-me como foi”, aqui fica a entrada da entrevista que lhe fiz. Para o bem ou para o mal, foi, pelo menos, determinante na minha opção de não os ter por companhia…
A liga protectora, certamente, agradece a minha decisão.

"Deprimido como um cão
Por gostarmos tanto dele resgatamo-lo da ninhada e levamo-lo para casa. Mesmo que o nosso apartamento seja minúsculo.
Por ser tão pequenino e gostarmos tanto dele, não resistimos a acolhê-lo, mesmo que venha a ser maior e mais possante que nós.
Por ser tão querido, nem hesitamos, mesmo que nada saibamos acerca da sua personalidade.
Por gostarmos tanto dele e não concebermos puni-lo, fechamo-lo na varanda para que não destrua os nossos bens mais preciosos.
Por gostarmos tanto dele tratamo-lo como se fosse um filho. Damos-lhe banho, vestimo-lo, levamo-lo à rua, cinco minutos, damos-lhe mimo e beijinhos. Até decidirmos ter os nossos próprios filhos, até que o amor paternal nos force a despedirmo-nos dele. A bem das nossas crianças, claro. Então, procuramos-lhe um novo lar, novos donos, enfim... qualquer coisa. Não sem antes lhe jurar que iremos visitá-lo... de vez em quando, por gostarmos tanto dele.
Este é um dos cenários por onde passam muitos dos cães que sofrem de depressão e stress. Por terem sido tão amados dói-lhes mais o abandono, a solidão, a clausura. Por terem sido elevados à condição de "humanos", quando devolvidos à sua laia perdem o tino e a noção do que é ser simplesmente cão...

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O QUE A IMAGINAÇÃO FAZ ÀS PESSOAS

Não ando de Metro. Não é por fobia. Talvez por comodismo, admito. Sou mais autónoma com o carro. É certo que tenho mais dívidas ao Estado, à conta das multas que não pago, por esquecimento ou algum descrédito pelas instituições que já me sugam tanto dinheiro em impostos. Levem-me presa, pronto!
Adiante। Não ando de Metro. Porém, um destes dias, por força das circunstâncias, lá fui em busca da cor da linha certa (uma confusão!) e entrei numa carruagem para uma curta viagem. Havia lugar. Boa! Sentei-me e na minha frente descubro uma pérola para a minha imaginação. Discreta, cabisbaixa, uma mulher de olheiras profundas, fingia que dormia. Indiferente, ausente, em standby. Tinha esse direito, pensei eu. Não conseguia tirar os olhos dela. Por defeito de formação, comecei a tentar adivinhar a vida que levaria. De onde viria, para onde iria.
Era nova. 30 anos talvez, não mais. Vestia-se “à moda” tanto quanto os vendedores ambulantes a entendem. Limpa de maquilhagem. Gasta e algo cinzenta. No dedo uma aliança finíssima. Ouro talvez. Gasta. A testemunhar aquilo que imaginei ser uma relação igualmente desgastada. Algo cinzenta.
Abriu os olhos! Não baixei os meus. Mexeu nervosa na aliança e suspirou. Aí estava a prova que as minhas conjecturas estariam certas. Relação complicada. A roçar a indiscrição, procurei mais pormenores de vida. Encontrei círculos negros no antebraço esquerdo. Violência? Ui... a partir daí as ideias voaram e na cabeça desenhei o que seria o seu “grito de ajuda”, em jeito de reflexão. Na primeira pessoa. Na pele dela.

Este artigo é pura ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência:

Barricados em casa

“Às vezes vêm-me à cabeça as cenas finais do filme de De Vito, A Guerra das Rosas. O casal em demanda — Michael Douglas e Kathleen Turner — leva a sua fúria até ao limite do racional e os dois acabam por morrer estatelados no chão do hall de entrada, vítimas da sua própria armadilha. Parece que os estou a ver pendurados no gigantesco lustre prestes a desprender-se do tecto e ainda assim irados, odientos, sequiosos de atacar o outro. E dou graças a Deus por não ter recursos que me permitam daqueles cintilantes luxos. Estou a ver-me amarrada aos berloques de cristal, amordaçada, enquanto ele — o homem com quem vivo há anos — se deleita com a perspectiva de me ver sofrer.
Ao reler estas últimas linhas admito-as exageradas, fruto do cansaço provocado por muitos anos a tentar erguer uma relação que há muito rasteja.
Quando o conheci, no meio das luzes difusas e do batuque da discoteca, pareceu-me um príncipe saído da neblina. A nossa atracção foi mágica, embora hoje acredite sinceramente que só pode ter sido mau-olhado por parte de alguma amiga invejosa. O que sei é que a macumba pegou e meia dúzia de dias depois estávamos a viver debaixo do mesmo tecto. Admito que felizes...
Mas de há três anos para cá, parece que se partiu a corda da nossa relação e deixámos de estar sintonizados. Agora cada um ruma para seu lado e o pior é que às vezes chocamos.
Começámos a desentender-nos quando perdi o emprego. Até reconheço o meu feitio belicoso, admito que não gosto de ordens nem de gente empinada e, para meu azar, os patrões que me têm saído na rifa encaixam que nem ginjas no perfil dos palermas. Mas ele — o tipo com quem vivo há anos — acha que a culpa é minha. Que sou manienta, teimosa, irascível e — imagine-se! — preguiçosa. É preciso ter lata. E não lhe bastava testemunhar a minha angústia de não ter trabalho, o fulano chegava a casa e ainda se atrevia a perguntar pelo jantar. Que falta de sensibilidade! Eu berrava-lhe que não sou criada de servir. Ele devolvia que era minha obrigação, uma vez que estava desocupada. "Vai à merda!", "Vai tu!" A cena acabava sempre com as portas a bater.
Deixei de ir às compras, deixei de cozinhar, deixei de arrumar-lhe as tralhas e, para lhe arrasar os nervos, deixei de passear a cadela dele. Por essa altura deixámos de dialogar. As nossas conversas — quando as tínhamos — não iam além das ofensas em volume máximo. Ele passava os serões na sala a limpar os presentes da Lacie e a jogar playstation. Eu fechava-me no quarto a ler ou aproveitava para ir com o Bull – o meu cão – à rua. Por essa altura comecei a sentir nele os primeiros olhares malignos como quem diz "e não cai um raio que te parta...".
Mil vezes fiz as malas e pensei ir-me embora। Mil vezes tirei os trapos dos sacos por não ter para onde ir. O quarto que deixei na casa dos meus pais estava agora ocupado pelo meu irmão Rui, também ele a viver dias difíceis depois da namorada o ter trocado pelo tipo que lhe arranjava o computador. Estava encurralada. Lentamente o meu desespero foi-se transformando em raiva e decidi ficar. Testar as minhas forças e ver até que ponto as dele aguentavam. E depois, porque carga de água deverei ser eu a deixar uma casa cuja renda ajudei a pagar ao longo de tantos anos? Ele que saia... A verdade é que o tempo vai passando e, nem um nem outro, se decide a ir embora. E não será seguramente por falta de alternativa mas apenas por pura estratégia de guerra.
Sim, estamos assumidamente em pé de guerra desde o dia em que decidimos dividir a casa ao meio. Definimos rigorosamente quais as zonas comuns e quais as interditas. O quarto ficou para mim, já que tenho mais roupa que ele e a mobília é minha. Em troca, cedi-lhe a sala. Com uma condição: o móvel de canto ao pé da janela é meu, bem como o sistema de som ali guardado, logo tenho que ter uma zona de passagem que me permita aceder-lhes. Ao pé do móvel coloquei uma cadeira para poder ouvir música sem precisar invadir-lhe o território. Mas é óbvio que sempre que coloco um CD, ele põe a televisão aos berros e nada feito...
Na cozinha utilizo o fogão de acordo com o horário que estabelecemos previamente. No frigorífico fiquei com as prateleiras de cima. Nos armários, calharam-me os da esquerda. Até as gamelas dos cães foram separadas. A do Bull está agora no meu quarto, a da Lacie está na sala, junto à televisão. Não posso jurar, mas acho que até os animais entraram em litígio. Agora já não brincam nem dormem juntos e já testemunhei uma briga entre os dois. Para meu deleite, o meu cachorro ganhou. A dele meteu o rabo entre as pernas e encolheu-se a um canto, indiferente aos gritos do dono que lhe ordenava que contra-atacasse. Eu rematei, vitoriosa: "A tua cadela herdou o teu carácter cobarde".
Comunicamos através de post-it, trocámos as fechaduras das portas que dão acesso às áreas privadas de cada um, dividimos loiças e talheres, livros, quadros, cacarecos. Quando levo amigos lá a casa envio-lhe uma mensagem escrita e peço-lhe que desampare a loja. Ele faz o mesmo. Digamos que vivemos dia sim, dia não. Um às segundas, quartas e sextas, outro às terças, quintas e sábados. Aos domingos folgamos e cada um vai passar o tempo a casa dos pais.
Nesses dias o pior é o regresso. Quando estaciono o carro à porta de casa, penso sempre que acabei de aterrar numa zona de conflito. Entro receosa que me caia algo em cima. Devagar, pé ante pé, olho para um lado e depois para o outro, até avistar o inimigo. Este está quase sempre entrincheirado atrás da poltrona, com o comando da PS2 na mão. Pela casa ecoam os tiros e os gritos do Medal of Honor, um jogo de estratégia de guerra entre americanos e alemães durante a II Guerra Mundial. Parece que o escolheu a dedo. Durante as infinitas horas que passa sentado à frente do ecrã, vai treinando perícia de tiro, de ataque, vai aniquilando defesas, avançando no terreno. Não é por caso que muitas vezes penso que está a utilizar a mesma táctica na nossa vida. Cada dia que passa acredito que, do outro lado da trincheira, pode vir uma bomba. Isto porque, graças a Deus, não tenho recursos que me permitam ter um cintilante lustre no tecto onde o tipo com quem vivo há anos me poderia pendurar, amarrada, amordaçada. Como no filme A Guerra das Rosas, que tantas vezes me vem à cabeça, acentuando a certeza que enlouqueci. Que deixei há muito de olhar para a realidade com a argúcia dos espíritos tranquilos.
Em momentos mais lúcidos chego a sentir remorso pelas artimanhas que engendro, pelos desejos vingativos que me atravessam a imaginação. Estou a vê-lo humilhado, rendido, a pedir clemência, a pedir que voltemos a ser o que fomos antes, há cem anos atrás, pelas minhas contas. Chego a sentir vergonha por me ver tão má, tão mesquinha, capaz de, à socapa, lhe salgar a sopa, capaz de lhe riscar o carro de cima a baixo. Actos reprováveis que aos olhos do mundo me retiram a razão. E é por volta do momento do acto de contrição que sou tentada a pedir tréguas. Que dou por mim a ceder à vontade de acenar a bandeira branca. E espreito pela ombreira da porta que dá acesso ao território dele. Ensaio um sorriso tímido — sim, que se for muito aberto pode parecer um esgar. Tem de ser coisa subtil, serena, quase inocente. Que lhe inspire ternura. "Olha... e se nós...". Não, isso não. "Nós" é palavra precipitada. De repente, assim do pé para a mão, não podemos ser plural. Não depois do que temos feito um ao outro. E corrijo: "Olha, se eu fizer esparguete, jantas comigo?" Isso! Vou pelo estômago... Sempre ouvi dizer que os homens se prendem por aí, mais do que pelo coração. E quantas vezes, já com um pé em zona inimiga, de avental, me presto à rendição. É sempre por essa altura que ele me pressente: "Que queres tu?", berra, assim de chofre, a chispar ódio pelos olhos. Ah caramba, ferve-me o sangue de tal maneira que chego a ter vontade de me esbofetear por tal fraqueza. E volto a apontar armas. E volto a pensar no desfecho do filme. Trágico.
Chego a temer que a ira me comande os passos e me cegue a sensatez. Outras vezes, estafada, dou por mim a percorrer jornais, à procura de rumo. Mas não se arrepia caminho de um dia para o outro. Dói muito e tem muitos custos.
Nada me pode luir as lágrimas que já derramei por me ver assim enredada nas malhas de uma relação doentia. Nada me apazigua a angústia de ver tudo o que ajudei a construir ser agora milimetricamente dividido. Metade da cozinha, metade da sala, metade dos cães, metade dos amigos, metade da Zélia Duncan, do Caetano, da Betânia, do James Joice, do Steinbeck. E aceitar, de coração resignado, abdicar da metade de mim que ficou com ele. A melhor metade.”

Eis o anúncio da minha estação de saída. Voltei à terra. A protagonista da minha ficção já tinha debandado. Ficou-me a interrogação: seria esta a descrição do seu mundo? Nunca saberei. O que a imaginação faz às pessoas...

FINALMENTE, ADERI

Resisti tanto quanto consegui.
Ao longo dos anos fui vendo familiares, amigos, conhecidos e outros, construirem online autênticos tratados de alma, alguns com qualidade e interesse, outros apenas reflexo de quem nada mais tem para fazer na vida que passar horas frente a um computador a botar prosa.
Assisti no mini ecrã a casamentos, lua-de-mel (com mais ou menos pormenores, alguns escusados, é bom que se diga), nascimentos, declarações de ódio, rompimentos afectivos. Tomei conhecimento, à distância, dos dramas emocionais de tanta gente que julgava próxima, mas que prefere desabafar publicamente os achaques a procurar aquilo que antigamente chamavamos de "ombro amigo".
É verdade! Reconheço, humildemente, que os conceitos de amizade, amor, realização profissional, são muito mais fáceis de colocar numa página da net (mesmo que sob a designação de "página pessoal") do que manifestados pele na pele, cara a cara com quem nos é mais chegado.
Fui alvo de críticas. Chamaram-me "velha do restelo" por me recusar a entrar neste ciclo comunicacional. Não que seja conservadora ou tenha algo contra as novas tecnologias. Antes pelo contrário. Como jornalista que sou há mais de 15 anos, fui vendo, com alegria, as máquinas de escrever serem substituídas por computadores gigantes e lentos, assisti ao declínio do telex e das redacções inundadas de gente ao telefone, a única forma de contacto com o exterior. E apaudi, com convicção, o maravilhoso mundo da internet, sobretudo, porque a nível profissional me veio trazer algum conforto. Agora o mundo vem ter à minha secretária, dispensando as minhas investidas presenciais. Mas, note-se, não entendi este avanço como a 8ª maravilha do mundo, já que comprometeu um certo estilo de vida que sempre me realizou. Nada como não saber se amanhã estaremos em Lisboa ou teremos que viajar para um qualquer país distante, apenas porque rebentou uma bomba noticiosa. Também comecei a ter uma lista de contactos gigantesca, sem que tenha possibilidade de associar os números às caras das pessoas a quem pertencem. No fundo, hoje em dia, conheço os telefones de meio mundo. É triste. Morreu um bocadinho a imagem sedutora, enigmática que envolvia os profissionais das palavras de antigamente. Ganharam-se outras coisas, certamente.
E porque não quero que um dia os filhos que hei-de ter apenas conheçam em papel a humilde obra que deixarei, anuí a entrar no jogo. Sem grandes rasgos de criatividade gráfica. Sem vídeos e links, sem fotos, sem facebook. Apenas um sítio. Simples, escorreito, onde eu possa, de vez em quando e à falta de um ombro amigo disponível no momento, despejar o que me vai ocorrendo. De bom e de mau. Se calhar, mais de mau, já que nao há nada que me faça gastar mais latim que a indignação e o ridículo (meu e dos outros. Ok, mais dos outros!).
Estou a ser ridícula? Não me digam. Não quero saber. Ou melhor, quero! Mas façam o favor de não mo dizerem desta forma. Se for absolutamente imperioso atacarem-me, eu aceito o repto. Mas primeiro peçam-me, por aqui, um contacto. Se entender que vale a pena, garanto que dou. Porque, para o bem e para o mal, gosto mais de ouvir o que as pessoas tem para dizer. Ouvir com os olhos.
Sempre se convive...