terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Miopia

Não percebo. Juro que não percebo. Até me acho perspicaz, inteligente e com um certo sexto sentido que até hoje me trouxe as novidades antes de se tornarem inevitavelmente reais.
São certas pessoas. Aquelas para as quais pouco olhámos. Quase passámos ao lado e, de repente, se colocam à nossa frente em bicos dos pés, com uma tabuleta: estou aqui! Estou aqui! E lá damos pela sua existência. E lá deixamos que entrem no nosso mundo, com este ou aquele comentário mais lisonjeador, mais sentido, até roçar o picante. E num ápice, a conversa aquece e espicaça o desejo de passar à pele.
Tão rápido como enviar uma mensagem, damos por nós envolvidos em palavras de desejo, em trocas de galanteios e, há que admiti-lo, de fluidos.
É secreto? Não. É paixão? Assumida. É tesão? Muita. Mas, aos poucos, é carinho, é respeito, é admiração, é envolvimento. É partilha. É futuro.
Mas eis que vêm as exigências, a posse, o querer mais, um ocupar de espaço que ainda não existia para ocupar. E arrefeço. A coisa torna-se monossilábica, fria, retraída. E vêm as queixas. Que sou pedra, que sou desprendida. Que não amo.
Não percebo. E por não perceber, faço análise e lá vem o sexto sentido que me dá sinais certos do que será a inevitável realidade: nunca mais teria o meu metro salvaguardado. Teria que deixar de ser eu para passar a ser a que melhor lhe servisse. E sinto-me invadida. Lotada. O que antes era divertido, emocionante, excitante, apaixonado, passa a desgastante, murcho, chato, sem graça. E se já não nos diverte não alimenta a vontade. Mata.
"Vou-me embora” é a frase que me atira. E cumpriu. E foi uma espécie de alívio. Porque jamais poderia ir pelo mesmo caminho.
E passaram tantos anos. E passou tanto por mim nesses anos. Até um filho.
E eis que volta. E volta triunfante, montado em Pégaso e empunhando espada de Artur. E de novo a tabuleta: “Estou aqui. E agora voltei para te levar comigo”. Só que desta vez não em bicos dos pés. Empunha a mensagem coma certeza dos arrogantes.
O que ele não percebeu é que, olhando para trás, percebo agora que na altura me invadiu uma certa miopia que me fez ver o que na realidade nunca lá esteve. Foi a cegueira de uma certa paixoneta? Admito que sim. Foi o deslumbre de um certo modo de vida? Claramente. Poderia ter sido a melhor das viagens? Podia. Mas sou de teimosias. E viajar às cegas nunca foi para mim.
Por isso, vou ali voltar a pôr os óculos e já venho. Enquanto isso, boa viagem de volta. Ainda não é desta que tenho etiqueta de preço.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

"Sobe sobe, Luísa sobe"

Neste século e já no anterior as mulheres revolucionaram muitos costumes. Criaram e invadiram espaços. Lutaram, bateram com o pé. Ganharam força e passaram a ser ouvidas. No futuro o mundo cairá aos seus pés. Pelo menos assim parece. Mas, por enquanto, a realidade mostra que a mulher não fez mais que organizar e gerir a sua subalternização em relação ao homem. Enfrentar e suportar os estigmas que sobre ela recaem. E são muitos. Mas segundo "A Lei da Senhora Murphy" se alguma coisa puder correr mal, correrá mal... e há-de ser sempre uma mulher a resolver o problema.

Beleza não é fundamental

Um destes dias, numa bomba de abastecimento, o empregado entrega-me o recibo e atira-me: "vejo-a por aqui tantas vezes e hoje tenho que lhe dizer que a acho linda".
Perdão??!! Abusado, não? pergunto.
"Não leve a mal, mas não queria passar mais um ano sem lhe dizer o que penso. É que em 2012 não sei se estarei a trabalhar aqui".A crise, de facto, tem contornos muito estranhos.
Claro que hoje abasteço noutro lado. E pelo sim, pelo não, escolho os fins de tarde, quando o meu suposto charme e ar arrumado já ficaram esbatidos nas muitas reuniões de serrar presunto que a crise a mim me obriga a suportar.
Há quem me diga que fui má. Que não fui elegante perante um elogio. Ora bolas! Quem tem pachorra para galanteios quando a troco de 40 euros levo o depósito a meio? Ser supostamente "linda" garante-me mais litros de gasolina? Não. Então, não falem comigo quando estou a sentir-me roubada. Ora o atrevimento.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

NO AVESSO DA LUZ

O pão e a açorda; os ovos e as lampreias; o café e o ice-tea; os molhos e o pão, a manteiga e o pão, as compotas e o pão; a avó, a mãe, todas as tias e os respectivos genes; a cadeira, o sommier, o sofá e a chaise long. Factores que têm o mesmo denominador comum: provocam ou podem provocar, directa ou indirectamente, a celulite.
Mas cá para mim é tudo mentira. Tenho como certo que a verdadeira causa deste mal, que afecta uma vasta percentagem de mulheres, é a luz. E ninguém me tira esta ideia.
Odeio a claridade. Os malditos feixes de luz que insistem em desvendar o que tanto trabalho me dá a esconder. A celulite. Três ou quatro inconvenientes "piquinhos" que maculam a auto-estima e me impedem de me despir segura. Três ou quatro furinhos que por mais que esfregue ou massaje continuam teimosamente visíveis. E juro que são só três ou quatro.
Para elevar o ego, penso nas centenas de milhar de mulheres que convivem com o problema em proporções muito mais catastróficas. Nem assim me animo. Com o mal dos outros... Não que seja gorda — três ou quatro "piquinhos" — mas explicaram-me as pilhas de artigos que li que o problema também afecta as magras e que a obesidade é outra história. Que existem certos alimentos responsáveis pelo agravamento da situação. Que os homens não têm pesadelos destes. Que não há creme, mezinha ou panaceia que resolvam a questão de vez. Por mais volumosos que sejam os tratados sobre o assunto — enumerando causas e respectivos tratamentos, com provas publicadas ao jeito do "antes e depois" — há que desconfiar de tudo e de todos. Sempre me assumi céptica em relação aos ecos do optimismo, mas mesmo assim resolvi arregaçar mangas e procurar varinhas de condão, daquelas que fazem desaparecer tudo num piscar de olhos.
E foram pomadas — comprei tudo que aflorasse a temática —, jactos de água fria — montei uma panóplia de utensílios para duche e morri de frio —, comprimidos milagrosos do tamanho de feijões que nunca passaram do esófago e tantas, tantas outras receitas que, no final, tiveram o mesmo resultado: zero. Zerinho.
Tenho receio de olhar ao espelho. Espreito insegura por detrás do ombro e o reflexo devolve-me sempre a mesma imagem: três ou quatro "piquinhos" inconvenientes. Por vezes retomo a promessa de mirar-me só de frente. A barriga continua firme, os braços permanecem torneados e o peito ainda resiste ao peso da gravidade. Mas de costas... É por trás que o monstro ataca. E não me venham com conversas: a culpa é da luz. É na claridade indiscreta que tudo se revela. É debaixo da luz que me detesto. É ao sol que a celulite é rainha. Ninguém me contou, mas acredito cegamente que se a penumbra fosse perpétua a celulite sucumbiria. Os que os olhos não vêem...
Às vezes lembro-me do Rui Reinhinho. Como o compreendo quando declarou "morte ao sol e a quem o apoiar". Subscrevo e exijo mais: apaguem-se as luzes! Já e de vez.
É que na escuridão sou perfeita.

sábado, 21 de maio de 2011

“Sê charmosa e cala-te!”

Baudelaire defendia que a sedução deriva do verbo ser. Dispensa palavreado. Para quê, quando o corpo aprende a “dizer” o que quer? As palavras sobram quando um olhar, um sorriso ou um gesto são, por si só, capazes de despertar interesse e desejo. Os especialistas confirmam que é o corpo que dá rédea ao impulso de conquistar e afirmam que são as mulheres as peritas na matéria. A manipulação dos braços e das mãos, os risos por tudo e por nada, o mexer nos cabelos e na roupa podem ser alguns dos sinais. Atitudes que levam à certa o mais empedernido dos corações. Mas será o charme inato ou estará ao alcance de qualquer um? Recolhi opiniões. Procurei perceber com que trunfos se aposta neste jogo que, segundo Roger Woddis, os homens jogam mas são as mulheres que sabem o resultado.

Pelos escaparates pulula literatura sobre a matéria. Autênticos manuais sobre como agradar, conquistar, engatar. Para ambos os sexos. Uns defendem que a mulher é mais arteira, que privilegia o romance e o jogo da conquista, enquanto que o homem gosta mesmo é de um bom par de pernas e seios voluptuosos. Os mais enciclopédicos afirmam tratar-se de mero instinto animal com vista à reprodução. Na falta de conclusões satisfatórias e consensuais, peguei na máquina fotográfica e dispus-me a ir para a rua saber o que pensa o comum dos mortais sobre a arte de seduzir. A primeira abordagem correu mal. Apontei flash aos olhos de um arrumador de carros que, em jeito de ameaça, atirou: “Diga lá o que quer”. Mas eu sei que ele pensou qualquer coisa do tipo: “Olha-me esta gaja armada às entrevistas”. Com visível embaraço acabei por lhe dizer ao que ia. Num sorriso desdentado, despacha-me virando as costas: “Engate? Isso é coisa de putas. Tá a bater na porta errada”. E sumiu-se.
A coisa parecia mais complicada do que imaginei à partida. Constatei que se trata de um assunto delicado, ao qual muitos preferem esquivar-se: “Estou cheio de pressa”, “Não percebo nada disso”, “Seduzir? Isso já não se usa”.
Em suma, restou-me bater à porta de conhecidos e arrancar-lhes, quase a ferros, o que sabem do assunto. Ladearam, acabando por desviar para os afectos, a ternura, o amor e o casamento... Eu insistia: “E o que é que isso tem a ver com sedução?” A resposta possível encontrei-a nas palavras de Henry Youngman: “Sabes o que significa chegar a casa à noite, para uma esposa sedutora que te dá um pouco de amor, de afecto, de ternura? Significa que te encontras na casa errada”.