segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Que merda de texto

Acabo de reler o longo e chato texto que mesmo agora publiquei. E, vai não vai, estive para apagá-lo. Que chorrilho de disparates. Que merda de texto que me revela confusa e triangular. Que imagem passo de mim ao admitir este rol, este enleio de personagens que pululam na minha vida nos dias que correm?
Há quem me tenha dito: "estás no teu melhor. Atrais toda a gente. Tens à mão quem quiseres". E isso podia servir-me de consolo. Mas não serve.
Quero-me tranquila, sem olhares gulosos sobre mim. Quero-me senhora de mim como sempre fui. Quero as rédeas dos meus actos e não ser puxada como um objecto ou troféu. Não me tenho na conta de irresistível, logo não me rigozijo com a disputa.
E vai não vai estive para apagar o chorrilho de disparates que acabo de publicar. Esta merda de texto que me revela triangular.
Mas pensei melhor e decidi mantê-lo. Para que cada vez que o reler possa rever nele aquilo que não quero ser. Para que me sirva de exemplo a não volte a escrever textos da treta e me obrigue a ser o que sempre fui: linear, coerente e senhora de mim. Como sempre fui.

I'm too fucked to think.

Se pudesse apagaria o dia de hoje.
Um turbilhão de acontecimentos, tão díspares, de tantas frentes, como se um molho de setas, vindas de diferentes direcções, me acertassem direitas no peito.
Hoje senti-me mais que uma. Como se cada investida tivesse atingido uma mulher diferente. E a todas elas ripostei de forma diferente, como se mais que uma mulher houvesse em mim.
E foi um silêncio quebrado no mundo virtual que, pela voz de Jamie Cullum, me trouxe o recado de alguém que diz ainda não me ter esquecido ao fim de tanto tempo. Que se arrependeu da mentira. Que sofre por já não me ter à mão. Por me ter sabido agora de outro. E porque o recado podia não me chegar, procurou-me de todas as formas. Para me dizer que não me esquece, que precisa apenas e só de me ouvir a voz para acalmar aquilo que me disse ser dor. Eu fui certeira no golpe que lhe desferi. Cortei-lhe toda e qualquer réstia de esperança com a brutalidade que a raiva sempre conseguiu despoletar em mim. "Não quero saber de ti. Nunca mais".
Ainda não refeita do papel de carrasco, sou chamada a vestir o hábito de confessora e, a pretexto de um café solicitado em sussurro, oiço os dramas de quem se encontra numa encruzilhada profissional. Honrada pela deferência e confiança em mim depositadas, recorro à sensatez transformada em conselhos. E recebo um agradecimento inusitado: um afago de mãos quentes que acompanham um olhar intenso nos meus olhos e a frase, em jeito de seta: "Só podia confiar isto a ti, porque já deves ter percebido que gosto de ti mais do que devia". Retiro as mãos como se me ardesse a pele. Fico incrédula e balbuceio: "Não, não tinha percebido". E fugi. Que fazer agora que o jogo está à vista? Que postura ter daqui para a frente sempre que o trabalho nos obrigar a varar noites, os dois, a sós, no mesmo espaço? Desvalorizo. Só podia desvalorizar. Porque afinal, embora o meu dia estivesse negro, esperava-me um fim de tarde tranquilo e doce através de uma janela que me permite todos os dias ver quem hoje determina o bater do meu coração.
Tudo seria esquecido perante o sorriso, o olhar intenso e apaixonado de quem à noite me visita para fazer amor virtual.
Mas hoje, logo hoje, o sorriso estava esbatido, o desejo em lume brando, um jogo de bola mais importante que eu. E logo hoje que precisava que me dissesse: "Quero-te mais que ontem. Tenho saudades e não via a hora de estar contigo."
É verdade que não tinha como perceber o meu dia. Que não podia adivinhar que fui puxada qual boneca de trapos e cujos braços quase se desmembraram à força de os puxarem.
Mas também é verdade que esperava que me lesse melhor as linhas do rosto e me perguntasse: "que tens amor?"
E porque não o fez, poderei ter visto o meu reflexo triste nos seus olhos e fui eu quem perguntou: "Que tens? Estás triste?"
Mas fugiu das respostas. E mais uma seta se crava no meu peito quando me trocou por um jogo de bola de um clube que nem é o seu e fechou a janela. Quando voltou vinha cabisbaixo, esbatido.
E eis que me farto. Que rebento de fúria por dentro (e seguro a expressão) por me ter sentido tão tola, tão ingénua. Desditei o destino por me amarrar a quem hesita e me fazer fugir de quem me quer e procura. Como um jogo de lotaria em que os números saíram ao lado. Logo agora que se tornou pública esta relação virtual. Talvez isso tenha justificado o recado do Jamie Cullum. Talvez isso tivesse acelerado o desabafo em jeito de confissão e o arrojo de me agarrar as mãos.
Talvez isso me tenha aberto uma nova janela. E vi-me recuar, fechar-me, reservar-me como sempre fiz, hesitar, ter dúvidas e decidir (a quente bem sei) que de mim não sai mais emoção.
E ainda assim, para ser totalmente honesta comigo, para não me arrepender de não o ter feito, disse pela primeira vez a palavra "amo-te".
Se me arrependi? Nada! Aliviou-me o peito. E uma vez dita dá-me agora liberdade para poder dizer: "Amo-te sim, mas só isso. Mais nada". Porque agora sou eu quem tem receio de poluir um sentimento novo em mim com aquilo que agora pressinto ser um jogo em que eu não sou sequer titular.
Volto assim a mim. Perdida? Um pouco. Mas vou encontrar-me. A seu tempo. Neste momento, admito, I'm too fucked to think.
E amanhã, que é já hoje, será outro dia. E nada disto, seguramente, terá qualquer importância.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A pele que há em mim

Quando o dia entardeceu
E o teu corpo tocou
Num recanto do meu
Uma dança acordou
E o sol apareceu
De gigante ficou
Num instante apagou
O sereno do céu

E a calma a aguardar lugar em mim
O desejo a contar segundo o fim.
Foi num ar que te deu
E o teu canto mudou
E o teu corpo do meu
Uma trança arrancou
E o sangue arrefeceu
E o meu pé aterrou
Minha voz sussurrou
O meu sonho morreu

Dá-me o mar, o meu rio, minha calçada.
Dá-me o quarto vazio da minha casa
Vou deixar-te no fio da tua fala.
Sobre a pele que há em mim
Tu não sabes nada.

Quando o amor se acabou
E o meu corpo esqueceu
O caminho onde andou
Nos recantos do teu
E o luar se apagou
E a noite emudeceu
O frio fundo do céu
Foi descendo e ficou.

Mas a mágoa não mora mais em mim
Já passou, desgastei
Para lá do fim
É preciso partir
É o preço do amor
Para voltar a viver
Já não sinto o sabor
A suor e pavor
Do teu colo a ferver
Do teu sangue de flor
Já não quero saber.

Dá-me o mar, o meu rio, a minha estrada.
O quarto vazio na madrugada
Vou deixar-te no frio da tua fala.
Na vertigem da voz
Quando enfim se cala.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Miopia

Não percebo. Juro que não percebo. Até me acho perspicaz, inteligente e com um certo sexto sentido que até hoje me trouxe as novidades antes de se tornarem inevitavelmente reais.
São certas pessoas. Aquelas para as quais pouco olhámos. Quase passámos ao lado e, de repente, se colocam à nossa frente em bicos dos pés, com uma tabuleta: estou aqui! Estou aqui! E lá damos pela sua existência. E lá deixamos que entrem no nosso mundo, com este ou aquele comentário mais lisonjeador, mais sentido, até roçar o picante. E num ápice, a conversa aquece e espicaça o desejo de passar à pele.
Tão rápido como enviar uma mensagem, damos por nós envolvidos em palavras de desejo, em trocas de galanteios e, há que admiti-lo, de fluidos.
É secreto? Não. É paixão? Assumida. É tesão? Muita. Mas, aos poucos, é carinho, é respeito, é admiração, é envolvimento. É partilha. É futuro.
Mas eis que vêm as exigências, a posse, o querer mais, um ocupar de espaço que ainda não existia para ocupar. E arrefeço. A coisa torna-se monossilábica, fria, retraída. E vêm as queixas. Que sou pedra, que sou desprendida. Que não amo.
Não percebo. E por não perceber, faço análise e lá vem o sexto sentido que me dá sinais certos do que será a inevitável realidade: nunca mais teria o meu metro salvaguardado. Teria que deixar de ser eu para passar a ser a que melhor lhe servisse. E sinto-me invadida. Lotada. O que antes era divertido, emocionante, excitante, apaixonado, passa a desgastante, murcho, chato, sem graça. E se já não nos diverte não alimenta a vontade. Mata.
"Vou-me embora” é a frase que me atira. E cumpriu. E foi uma espécie de alívio. Porque jamais poderia ir pelo mesmo caminho.
E passaram tantos anos. E passou tanto por mim nesses anos. Até um filho.
E eis que volta. E volta triunfante, montado em Pégaso e empunhando espada de Artur. E de novo a tabuleta: “Estou aqui. E agora voltei para te levar comigo”. Só que desta vez não em bicos dos pés. Empunha a mensagem coma certeza dos arrogantes.
O que ele não percebeu é que, olhando para trás, percebo agora que na altura me invadiu uma certa miopia que me fez ver o que na realidade nunca lá esteve. Foi a cegueira de uma certa paixoneta? Admito que sim. Foi o deslumbre de um certo modo de vida? Claramente. Poderia ter sido a melhor das viagens? Podia. Mas sou de teimosias. E viajar às cegas nunca foi para mim.
Por isso, vou ali voltar a pôr os óculos e já venho. Enquanto isso, boa viagem de volta. Ainda não é desta que tenho etiqueta de preço.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

"Sobe sobe, Luísa sobe"

Neste século e já no anterior as mulheres revolucionaram muitos costumes. Criaram e invadiram espaços. Lutaram, bateram com o pé. Ganharam força e passaram a ser ouvidas. No futuro o mundo cairá aos seus pés. Pelo menos assim parece. Mas, por enquanto, a realidade mostra que a mulher não fez mais que organizar e gerir a sua subalternização em relação ao homem. Enfrentar e suportar os estigmas que sobre ela recaem. E são muitos. Mas segundo "A Lei da Senhora Murphy" se alguma coisa puder correr mal, correrá mal... e há-de ser sempre uma mulher a resolver o problema.

Beleza não é fundamental

Um destes dias, numa bomba de abastecimento, o empregado entrega-me o recibo e atira-me: "vejo-a por aqui tantas vezes e hoje tenho que lhe dizer que a acho linda".
Perdão??!! Abusado, não? pergunto.
"Não leve a mal, mas não queria passar mais um ano sem lhe dizer o que penso. É que em 2012 não sei se estarei a trabalhar aqui".A crise, de facto, tem contornos muito estranhos.
Claro que hoje abasteço noutro lado. E pelo sim, pelo não, escolho os fins de tarde, quando o meu suposto charme e ar arrumado já ficaram esbatidos nas muitas reuniões de serrar presunto que a crise a mim me obriga a suportar.
Há quem me diga que fui má. Que não fui elegante perante um elogio. Ora bolas! Quem tem pachorra para galanteios quando a troco de 40 euros levo o depósito a meio? Ser supostamente "linda" garante-me mais litros de gasolina? Não. Então, não falem comigo quando estou a sentir-me roubada. Ora o atrevimento.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

NO AVESSO DA LUZ

O pão e a açorda; os ovos e as lampreias; o café e o ice-tea; os molhos e o pão, a manteiga e o pão, as compotas e o pão; a avó, a mãe, todas as tias e os respectivos genes; a cadeira, o sommier, o sofá e a chaise long. Factores que têm o mesmo denominador comum: provocam ou podem provocar, directa ou indirectamente, a celulite.
Mas cá para mim é tudo mentira. Tenho como certo que a verdadeira causa deste mal, que afecta uma vasta percentagem de mulheres, é a luz. E ninguém me tira esta ideia.
Odeio a claridade. Os malditos feixes de luz que insistem em desvendar o que tanto trabalho me dá a esconder. A celulite. Três ou quatro inconvenientes "piquinhos" que maculam a auto-estima e me impedem de me despir segura. Três ou quatro furinhos que por mais que esfregue ou massaje continuam teimosamente visíveis. E juro que são só três ou quatro.
Para elevar o ego, penso nas centenas de milhar de mulheres que convivem com o problema em proporções muito mais catastróficas. Nem assim me animo. Com o mal dos outros... Não que seja gorda — três ou quatro "piquinhos" — mas explicaram-me as pilhas de artigos que li que o problema também afecta as magras e que a obesidade é outra história. Que existem certos alimentos responsáveis pelo agravamento da situação. Que os homens não têm pesadelos destes. Que não há creme, mezinha ou panaceia que resolvam a questão de vez. Por mais volumosos que sejam os tratados sobre o assunto — enumerando causas e respectivos tratamentos, com provas publicadas ao jeito do "antes e depois" — há que desconfiar de tudo e de todos. Sempre me assumi céptica em relação aos ecos do optimismo, mas mesmo assim resolvi arregaçar mangas e procurar varinhas de condão, daquelas que fazem desaparecer tudo num piscar de olhos.
E foram pomadas — comprei tudo que aflorasse a temática —, jactos de água fria — montei uma panóplia de utensílios para duche e morri de frio —, comprimidos milagrosos do tamanho de feijões que nunca passaram do esófago e tantas, tantas outras receitas que, no final, tiveram o mesmo resultado: zero. Zerinho.
Tenho receio de olhar ao espelho. Espreito insegura por detrás do ombro e o reflexo devolve-me sempre a mesma imagem: três ou quatro "piquinhos" inconvenientes. Por vezes retomo a promessa de mirar-me só de frente. A barriga continua firme, os braços permanecem torneados e o peito ainda resiste ao peso da gravidade. Mas de costas... É por trás que o monstro ataca. E não me venham com conversas: a culpa é da luz. É na claridade indiscreta que tudo se revela. É debaixo da luz que me detesto. É ao sol que a celulite é rainha. Ninguém me contou, mas acredito cegamente que se a penumbra fosse perpétua a celulite sucumbiria. Os que os olhos não vêem...
Às vezes lembro-me do Rui Reinhinho. Como o compreendo quando declarou "morte ao sol e a quem o apoiar". Subscrevo e exijo mais: apaguem-se as luzes! Já e de vez.
É que na escuridão sou perfeita.

sábado, 21 de maio de 2011

“Sê charmosa e cala-te!”

Baudelaire defendia que a sedução deriva do verbo ser. Dispensa palavreado. Para quê, quando o corpo aprende a “dizer” o que quer? As palavras sobram quando um olhar, um sorriso ou um gesto são, por si só, capazes de despertar interesse e desejo. Os especialistas confirmam que é o corpo que dá rédea ao impulso de conquistar e afirmam que são as mulheres as peritas na matéria. A manipulação dos braços e das mãos, os risos por tudo e por nada, o mexer nos cabelos e na roupa podem ser alguns dos sinais. Atitudes que levam à certa o mais empedernido dos corações. Mas será o charme inato ou estará ao alcance de qualquer um? Recolhi opiniões. Procurei perceber com que trunfos se aposta neste jogo que, segundo Roger Woddis, os homens jogam mas são as mulheres que sabem o resultado.

Pelos escaparates pulula literatura sobre a matéria. Autênticos manuais sobre como agradar, conquistar, engatar. Para ambos os sexos. Uns defendem que a mulher é mais arteira, que privilegia o romance e o jogo da conquista, enquanto que o homem gosta mesmo é de um bom par de pernas e seios voluptuosos. Os mais enciclopédicos afirmam tratar-se de mero instinto animal com vista à reprodução. Na falta de conclusões satisfatórias e consensuais, peguei na máquina fotográfica e dispus-me a ir para a rua saber o que pensa o comum dos mortais sobre a arte de seduzir. A primeira abordagem correu mal. Apontei flash aos olhos de um arrumador de carros que, em jeito de ameaça, atirou: “Diga lá o que quer”. Mas eu sei que ele pensou qualquer coisa do tipo: “Olha-me esta gaja armada às entrevistas”. Com visível embaraço acabei por lhe dizer ao que ia. Num sorriso desdentado, despacha-me virando as costas: “Engate? Isso é coisa de putas. Tá a bater na porta errada”. E sumiu-se.
A coisa parecia mais complicada do que imaginei à partida. Constatei que se trata de um assunto delicado, ao qual muitos preferem esquivar-se: “Estou cheio de pressa”, “Não percebo nada disso”, “Seduzir? Isso já não se usa”.
Em suma, restou-me bater à porta de conhecidos e arrancar-lhes, quase a ferros, o que sabem do assunto. Ladearam, acabando por desviar para os afectos, a ternura, o amor e o casamento... Eu insistia: “E o que é que isso tem a ver com sedução?” A resposta possível encontrei-a nas palavras de Henry Youngman: “Sabes o que significa chegar a casa à noite, para uma esposa sedutora que te dá um pouco de amor, de afecto, de ternura? Significa que te encontras na casa errada”.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Princípio de Dezembro. Com a chegada do frio começa a pairar no ar aquilo que é vulgar designar-se espírito natalício. E o que é o espírito natalício? Acredito que se trata de um conjunto de atitudes que aparecem depois de todos terem tomado uma poção mágica que os transforma repentinamente em "pessoas boazinhas". Se faz parte dos que emborcaram a mistela, então este artigo não tem nada a ver consigo. Destina-se àqueles que, por volta do dia 20, já não suportam tanta lamechice.

É, de facto, no princípio do último mês do ano que tudo e todos se transformam. As músicas das "chamadas em espera" passam do insistente Jean Michelle Jarre para o já gasto "É Natal, é Natal" ou para o Coro de Santo Amaro de Oeiras a cantar ao Menino. Ligue para onde ligar e não encontra originalidade. E o mais irritante é que as melodias entram no ouvido de tal maneira que acabamos por passar o dia a trautear disparates. Experimente entrar de rompante no gabinete do chefe. Com toda a certeza estará a cantarolar qualquer coisa do género. Não se espante. O efeito é contagioso e ainda não foi descoberto o antídoto para o veneno. Apesar de tudo, o caso ainda não é bicudo. Pior será no dia que chegar ao emprego e encontrar o chefe a distribuir gorros de Pai Natal que comprou aos magotes a um vendedor ambulante. Resistir ou recusar enfiar o barrete é uma atitude insensata que pode custar o emprego. Passa a ser olhado de lado e é excluído da lista de prendas. E por falar em lista, esta é uma prática que para os "Natalofóbicos" não faz o menor sentido. É-lhes sugerido que comprem uma "lembrançazinha" — até 5 euros, que o chefe não quer motivos para pedidos de aumento — e que depois será sorteada. Está-se mesmo a ver que vai direitinha para colega que mais abomina.
E se pensa refugiar-se em casa para se proteger do suplício, prepare-se. Experimente ligar a televisão. Primeiro é inundado por milhares de anúncios que convidam ao consumismo. Da boneca que faz bolhinhas, ao perfume xpto, passando por uma panóplia de produtos que ninguém percebe para o que servem, encontra tudo, para todos os gostos e todas as carteiras.
Agora, algo verdadeiramente terrível: a grelha de programas. Uma infindável lista de séries de televisão que já têm barbas compridas. Quantas vezes já viu o "Sozinho em Casa", "Música no Coração" a saga da gala Popota, a "Contos de Natal", o "Bambi" e o "Pinóquio"? Vai uma apostinha que este ano não vai ser diferente?
Repentinamente, parece que toda a gente se lembrou da "caridadezinha". Chovem debates sobre desalojados, doentes, velhos solitários, enfim, de todos aqueles que durante o ano são completamente esquecidos. Nos meses em que esta febre não ataca é provável que ninguém se lembre de dar esmola ao mais miserável dos pedintes. Alguns são olhados com repulsa e até vergonha. Mas no Natal todos lembram estas pobres almas e ninguém recusa ajudar. De tal maneira que as igrejas são inundadas de roupas, brinquedos e mercearias. Alguém consegue explicar o fenómeno? Parece que toda a gente entra num período de transe hipnótico. Pena ser só nesta época.
E se pensa que esqueço o "Natal dos Hospitais" está completamente equivocado. Quem pode ignorar a festa dos doentes que dura um dia inteirinho. Uma feira de artistas em play back que se juntam por uma causa envergando lantejoulas e penteados de fazer inveja à Maria de Belém. Figuras como António Calvário, Artur Garcia, Natalina José, Argentina Santos, Marco Paulo, pequeno Saúl, Ana Malhoa, que mais dia menos dia formará o trio "José Malhoa, filha & Neta", a vaca e o boi Réré, o Topo Gigio e o amigo Baião e tantos (demasiados) outros que fazem as delícias da audiência: pessoas que não estão no seu estado de saúde normal. Muitas horas de uma espécie de Made in Portugal, apresentado por locutores saídos dos baús da RTP e que falam com dicção anazalada a fazer lembrar as sessões radiofónicas dos anos 50.
Se depois de tudo isto ainda continua fã do Natal, merece um Oscar.

As ruas estão repletas de luz. Milhares de lâmpadas acesas, enleadas em motivos de Natal que quase obrigam a colocar os óculos de Sol às 10 das noite.
As lojas abarrotam de gente numa azáfama de compras em que todos se atropelam, mexem e remechem, obrigam os lojistas a espalhar tudo nos balcões para, depois de muita indecisão, optarem por um mísero alfinete de gravata. E os multibancos? É sempre nestas alturas que decidem empancar. Horas e horas à espera para pagar uma conta de 5 mil reis enquanto a menina da loja lhe sorri de uma forma que apetece pegar numa borracha e apagar-lhe os lábios. Afinal está a rir-se de quê? Então não é nesta altura que o patrão lhe exige 10 horas seguidas de trabalho? Não é agora que vê a hora de almoço esfumar-se e que mal chega para dar uma dentada na sandes de panado? Chegámos à conclusão que deve existir um autocolante em forma de sorriso que se cola no Natal e só se tira a 2 de Janeiro.

As cidades enchem-se de carros. Ainda mais carros. O trânsito entope e caminhos que antes se faziam em 10 minutos levam agora horas a percorrer. Mas de onde saiu tanto automóvel? É a mania das compras que, invariavelmente, se deixam para a última hora. Ir a pé ou de Metro não passa pela cabeça de ninguém. Esta é a altura em que até o cidadão mais carenciado se permite um luxuzinho. Então toca a tirar o carro da garagem e ala, às compras!
Os que não têm carro, passam a ter. É que os concessionários escancaram as portas e facilitam o crédito de tal maneira que até os que ainda não tiraram a carta dificilmente conseguem resistir. Com certeza que já viu anúncios que lhe dão hipótese de ter carro por meia dúzia de contos por mês. Epá, não é mesmo irresistível? Um popó novinho em folha por tuta-e-meia. O pior são as letras miúdinhas que passam a correr em rodapé. Tão rápidas que ninguém consegue perceber a ratoeira que representam. Normalmente o pobre desconfia da fartura. Mas quem ousa enganar alguém no Natal?

Outra coisa que faz grande confusão aos que não gostam do Natal é a razão que leva as pessoas a oferecerem prendas umas à outras. Alguém consegue explicar o que é o nascimento do Menino Jesus tem a ver com a mania dos presentes? Afinal quem faz anos é Ele. As prendas deveriam ser para Ele. Mas como ele já não existe (pelo menos em carne e osso e para muitos nem em espírito) toda esta infernal troca de bens parece absurda. Um rol de nomes que vai dos avós aos tios, passado pelos primos que, cá para nós, não são primos coisa nenhuma. Aparecem nesta altura só para nos fazer gastar dinheiro. Que lógica tem dar um presente a alguém que não vimos há mais de 5 anos? Ou oferecer um pinchavelho qualquer ao vizinho que durante o resto do ano nos inferniza os neurónios com queixas por mera inveja? Nenhuma lógica!
E o tempo que se perde a enviar postais da UNICEF (pelo menos isso!) a todos os nomes que constam na nossa lista telefónica. Para cima de 100 votos sinceros de um Natal Feliz e um Próspero Ano Novo a pessoas que mal conhecemos mas que ocupam posições que podem vir a ser-nos úteis. A isto chama-se oportunismo que conjuga mal com o espírito da época.

E a figura do Pai Natal? Quem é o Pai Natal? O maior fabricante de desejos consumistas. Todos os anos, um personagem simpático e bonacheirão vem do Polo Norte, montado num trenó puxado por renas — que voam —, desce pelas chaminés onde deposita presentes para os meninos bem comportados.
Para já, parece incongruente fazer crer às criancinhas que um senhor tão gordo possa caber numa chaminé. Depois explicar aos miúdos que as renas do Pai Natal são as únicas no mundo que voam é outra tarefa complicada e que só serve para rotular os pais de mentirosos no dia que as virem pregadas ao chão do Jardim Zoológico. Para não falar dos traumas que podem causar quando a realidade lhes provar que nada disto é verdade. Se os pedagogos insistem em afirmar que não se deve mentir às crianças, por que razão ainda se insiste no Pai Natal? Por que sugerem aos putos que escrevam longas cartas com os pedidos mais incríveis para depois se enfiarem com eles num hipermercado e serem confrontados com a pergunta mais ingénua: "Ó mãe, porque é que estás a comprar os presentes todos que eu pedi ao Pai Natal?". Francamente!

Natal sem o bendito pinheirinho não é Natal. Um viçoso e verdinho pinheiro que há que arranjar a qualquer preço. Durante anos, a luta dos ecologistas, que protestavam contra os verdadeiros assaltos às matas nesta altura do ano, denunciou a barbaridade do acto. "Que horror, é um crime", pensaram os "Natalodependentes". E a imaginação humana, que vai para lá de tudo o que é razoável, encarregou-se de inventar os pinheiros artificiais. Uma espécie de piaçaba gigante que se monta e desmonta todos os anos, atafulha-se com penduricalhos às cores e não larga a irritante caruma. O efeito não é o mesmo mas quem liga a essas coisas? O que interessa é a intenção.
Por debaixo da árvore de Natal, o indispensável Presépio, o mais completo possível. O Menino Jesus, S. José, a Virgem Maria, os Reis Magos e um vastíssimo séquito de "bajuladores". Os pastores, as cabras e as ovelhas, o aguadeiro, o carpinteiro e a lavadeira... enfim um conjunto de objectos que, em alguns casos, já inclui carrinhos de plástico e outras modernices. Horas e horas de trabalho a montar, a decorar, para no dia 7 de Janeiro voltar tudo para dentro da caixinha.

Falta mencionar o pior dos infernos: o jantar de Natal.
Tudo começa dias antes: a escolha do peru mais gordo, os quilos e quilos de bacalhau para a ceia — outro hábito que ninguém consegue explicar com lógica —, as filhoses, o bolo-rei e outras tantas iguarias tradicionais. Uma trabalheira, isso sim. Tudo para dar de comer a uns quantos tios, mais uma mão cheia de primos e respectivas namoradas que no final do jantar se despedem ignorando a pilha de loiça que deixaram por lavar. Não é de morrer de raiva?
Reencontrar as tias velhas que não vemos vai para uma década e levar com comentários do tipo: "estás mais gorda", "quando é que casas, olha que ficas para tia" ou, "o novo marido da Maria é muito mais antipático que o primeiro. O que é que ela viu nele?". Muito desagradável. Tudo a juntar ao cheiro de naftalina que se espalha pela casa. Culpa dos casacos de "vison" que só têm ordem de soltura nesta altura do ano. Um aroma tão intenso que já ninguém consegue distinguir se é da roupa ou da idade. Depois é fazer conversa mole, falar dos que já não estão presentes, do caracter altruísta do tio-avô, da excelente pessoa que era a bisavó — mesmo que tenha sido um alívio o seu desaparecimento —, os queixumes acerca da perversão da juventude, a saudade dos tempos que já passaram. Tantas balelas que às tantas o seu cérebro desliga.
À meia noite o farfalhar de papéis de embrulho que se rasgam na ânsia de encontrar algo diferente dos outros anos. Vã esperança: mais uma camisola de lã, cujas mangas não passam dos cotovelos, mais umas pantufinhas de croché, cheia de malhas falhadas e que não apertam nos tornozelos, oferecidas pela tia Francisca, já pitosga mas só para o que ela quer.
Uma noite terrível, de excessos. Da comida à pinga, passando pela língua afiada, acabando nos amuos do Joãozinho que não percebe a razão por que o Pai Natal não lhe deixou um irmãozinho no meio dos presentes. E alguém tem coragem de lhe explicar porquê?

Se tudo isto lhe parece completamente impossível de suportar, fuja! Já pensou que o mês de Agosto pode não ser o mais adequado para tirar férias? Hotéis esgotados, um calor de morte, gente por todo o lado. A solução é simples. Reserve Dezembro para descansar. Um mês inteirinho só para si, algures numa ilha paradisíaca, sentado à beira mar, deliciando-se com um magnífico cocktail. Fuja! E tenha um santo Natal.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Mãe tenho saudades tuas (1994)

Sonhava com o dia em que, finalmente, sairia de casa. Casada, porque a tradição era ainda apertada e naquele tempo “viver junto” era coisa de galdéria. Sonhava com o dia da liberdade, que não me era permitida, pelo menos, não na forma como a entendia: sair quando quisesse, dormir fora, passar férias com os amigos. Sentia-me tolhida. E tudo por culpa dela. Insistia teimosamente em manter a rédea do cordão umbilical que me cortaram à nascença. Insistia em ver-me irresponsável, indefesa, insegura, criança. E eu já adolescente. Já com ganas de independência. E quando tentava pôr-me em bicos dos pés, rebaixava-me a pose: “Que rebelde me saíste. A filha da dona Laurinda é que é uma boa filha. Tem dezoitos a tudo, passa os dias a estudar e a ajudar a mãe. Aquela faz-se senhora”. Que raiva da tipa, da filha da tal Laurinda, que ainda por cima – a disfarçada - só era a mais concorrida na escola e – dizia-se - era daquelas que deixava fazer tudo... menos aquilo! Mas estava proibida de argumentar. Eu ainda arriscava: “que sabe a mãe dessa rapariga? Conhece-a como eu para saber isso tudo?” Mas aí o meu pai interferia e calava-me o discurso. Bastava-lhe um olhar para que eu encerrasse a defesa. Mas ela continuava: “eu até sei que ontem faltaste a matemática e que te viram a fumar...” Horas a fio a sacar-me a paciência, a moer-me os serões. E as meninas exemplares voltavam: “E aquela Carla, que menina educada. Nunca se ouve responder torto à mãe. Faz tudo o que lhe dizem. Olha que tem a tua idade e já cozinha como gente grande”. Tinha 17 anos e sabia estrelar um ovo, grande coisa!
O que eu sonhava com o dia em que, finalmente, sairia de casa. Às vezes gritava-lhe: “Quando viver longe de ti não quero fogão. Só como sandes!” e batia com a porta. Asneira! Sabia, qual reflexo condicionado, que segundos depois entraria pelo quarto furiosa: “Quantas vezes te disse que não podes bater com as portas?” E zás, lá vinha a bofetada do exemplo da filha de não-sei-quem, “que nunca, mas nunca se atreveria a bater com as portas. Nem fuma, nem falta às aulas... nem tem namorado”. O meu – aquele que me haveria de dar a carta de alforria – entrava lá em casa com ordem. A minha mãe justificava: “Prefiro que venha namorar-te aqui a casa que andem lá fora a fazer sabe Deus o quê...” E eram sábados e domingos de pijama, frente à televisão ou a jogar Trivial de cor. Ele, paciente, fingia compreender os limites impostos. Sonhávamos como dia em que, finalmente, sairíamos de casa. De vez em quando... um beijo. Ela nem ligava. Se fosse na rua, em público, é que caía o Carmo e a Trindade.
Finalmente, com 24 anos, saí de casa. Casada, que “viver junto” era ainda coisa de galdéria. Ai mãe!, passaram 10 anos e se soubesses as saudades que tenho dos teus sermões, as saudades que sinto da filha da dona Laurinda e de todas as fulanas e beltranas, dos dezoitos e com jeito para a lida da casa, que me atiravas à cara. Hoje percebo que elas eram as tuas armas para me ensinares a tornar-me na filha que agora juras ser a melhor de todas.
Hoje sonho com o dia em que voltaremos a viver na mesma casa. Para que voltes a cuidar de mim, me aconchegues os filhos e me permitas, de vez em quando, o reparo: “que teimosa me saíste. Quantas vezes te disse que os remédios são para tomar até ao fim. Olha que a dona Laurinda não precisa que a filha ande sempre de olho nela...”

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

FUI ALI, JÁ VENHO

Esta ausência não tem que ver com férias prolongadas (que sonho!). Não tem que ver com esquecimento (dava jeito, às vezes). Não tem que ver com falta do que escrever.
Tem tudo a ver com esta resistência crónica aos blogues, facebooks e outras formas de escancarar vidas.
Não me apeteceu voltar aqui. Também ninguém me intimou a fazê-lo. Então porque volto agora? Porque achei que devia dizer isto àqueles (poucos, não julguem que tenho a mania!) que têm perguntado pela Clave. Ando por aí. Vocês (os que interessam) sabem onde. Amanhã, à mesma hora, no mesmo sítio.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

ESSE GRANDE SENHOR DA COMÉDIA!

Alexandrino Firme e Hirto
A entrevista possível a esse grande senhor da comédia!


Data da entrevista: 2000
Quem: Alexandrino
Idade: 56 anos (na altura da entrevista)
Pretexto: Descobrir de que planeta é oriundo
Actividade Desenvolvida: Bruxo, participação em feiras do oculto, três livros não publicados por falta de quem nele acredite
Imagem: estrela pontual no programa Herman Sic
Característica durante a entrevista: tentativa falhada de me hipnotizar

- Apareceu nos ecrãs de televisão como hipnotizador. Acabou por gorar expectativas nessa área mas revelou-se um animador de plateias. Afinal, quem é Alexandrino?
- Sou um artista plástico que descende da família de uns Faria de Castro que foram vice-reis da Índia. Tenho uma formação cultural muito rica porque meu pai - que era o Joaquim da Autopasse, especialista em Cadilacs - gostava de me levar a ver os museus. Veja lá a minha estaleca.
- Afirma-se também como escritor, embora sem obra publicada...
- Já escrevi três livros. Estão à espera. Um deles chama-se “Acreditar Não é Saber” e tem a ver com o fundamento de como se chega ao domínio da mente objectiva sobre a mente subjectiva. Tenho um outro que conta histórias das minhas intimidades e fugas das prisões.
- Esteve preso?
- Estive oito dias preso, juntamente com o Duque de Palmela.
- De facto, em Setembro de 95 o jornal “A Capital” deu conta da greve de fome que levou a cabo em frente ao edifício da RTP. Qual era a sua causa?
- Protestava e ainda protesto contra o estímulo ao comportamento acreditar. Defendo que não devemos acreditar em ninguém. E sabe porquê? Por causa de um desgosto. Vivi com uma fulana que me deixou num fim-de-semana. Desiludido, bebi umas garrafas de vinho para pôr termo à vida... E essa não seria a primeira vez que estive disposto a matar-me. Pensei nisso quando me chamaram para a tropa. Avisei os tipos que jamais pegaria numa arma mas eles tentaram endrominar-me e não havia meio de me mandarem embora. Então resolvi suicidar-me com uma tuberculose. Ia às putas todos os dias a ver se pegava a doença.
- Como e quando começou a dedicar-se à hipnose?
- Não fui eu que descobri o meu dom. Tenho uma loja de loiças e vidros na Pixeleira, num sítio que faz cantinho. Os prédios vão assim ao longo da rua e depois faz uma esquina. Está a ver? É aí mesmo. Um dia estava à porta da loja entretido a esgalhar a pintura de uma peça e eis que alguém me chamou a atenção para o facto de estar uma menina estática, há horas, à minha frente. Tinha-a hipnotizado e não sabia. Quem me esclareceu foi um engenheiro, que mora dois prédios abaixo e que se dedica ao ocultismo, para além de dar explicações de matemática e arranjar televisões. Foi ele que me deu um livro sobre o assunto. Consigo hipnotizar até de costas. Envolvo as pessoas até dois metros de distância.
- No entanto, nas suas aparições em televisão nunca conseguiu hipnotizar ninguém...
- Quando as câmaras não estavam a filmar consegui hipnotizar dois tipos que levei comigo para o programa do Herman.
- Mas se já os conhecia, poder-se-á dizer que estava tudo combinado...
- Nada disso. Na véspera do programa fui ali ao café de cima e perguntei quem queria ir ao programa do Herman. Houve logo voluntários e tentei hipnotizá-los ali mesmo para ver como a coisa corria. Consegui hipnotizar quatro ou cinco mas, mesmo em cima da hora, dois deles desistiram. Os três que restaram, a troco de cinco contos, lá cederam. Mas não combinamos nada.
- Para todos os efeitos o que se passou na televisão foi um retumbante falhanço que levou muita gente a vaia-lo. Sentiu-se ridicularizado?
- Olhe, quando vou a um programa estou-me perfeitamente nas tintas se corre bem ou mal. Já nasci rico, os meus filhos são ricos por isso não preciso de ninguém para lhes assegurar o futuro. Estou-me cagando se a coisa funciona ou não, se os meus doentes acreditam em mim ou não...
- Costuma ir às feiras do oculto?
- Vou todos os anos a Vilar de Perdizes e dou um espectáculo de curas do caraças, logo a seguir ao Homem do Lacrau que também diz que cura. Bom, estou uma hora a pregar àquela malta que não podemos acreditar em ninguém, em nada, que acreditar não é saber. Depois digo-lhes: “Se querem que vos cure, venham aqui ao palco e eu trato os vossos problemas. E não é que mesmo depois de eu ter gasto o meu latim a dizer-lhes para não acreditarem em nada, mesmo assim ainda se ajoelham à espera que os trate? É preciso ser-se muito burro para cair na minha latosa...
- Quer dizer que goza com as pessoas?
- Eu estou a dar tanga às pessoas mas não gozo com elas... Tento é ir ao encontro do que elas querem ouvir. E acontecem coisas maravilhosas que no dia seguinte aparecem em tudo o que é jornal, tudo o que é revista...
- É então um oportunista que chega até às pessoas à conta de encenações hilariantes?
- Não sou nenhum oportunista nem passo atestados de palhaço a ninguém. Estou é habituado a viver a vida com um certo gozo. Gosto de rir. Os meus espectáculos são horas a rir. E eu curto isso. No fim de contas, as pessoas alguma coisa aprendem e eu também. Mas não estou nada preocupado com a imagem que traçam de mim. Eu quero é curtir.
- Então para si enganar pessoas é divertido?
- Não engano ninguém. Sou claro quanto a isso. Mas nada me impede de tirar algum gozo das coisas que faço. Por exemplo, chego a uma feira e monto uma mesinha cheia de tralha com um cartaz pendurado a dizer: “Acreditar não é saber”, seguido da tabela de preços dos meus variados produtos e serviços: cinco minutos de tarot, mil paus. Os mesmos mil por cada frasquinho de água santa vinda directamente da torneira e que cura todos os males, especialmente os que afectam o meu bolso. Anjinhos em segunda mão por dez tostões o quilo. E além da tabela, penduro avisos do tipo: “cuidado com o Espírito Santo que pode violar a tua mulher” ou “Cristo foi o resultado de uma violação”. Faço muitas coisas destas nas feiras...
- E nunca teve problemas?
- Uma vez incendiaram-me a barraca. Mas foi porque montei o estaminé mesmo ao lado de uns devotos de Nossa Senhora e tive a ideia de “descascar” a imagem da virgem, ou seja, esculpi-a toda nua. Foi uma cegada. Agora estou proibido de entrar nessas feiras.